Meus fantasmas na capa de uma revista

Sou imperfeita.

Quando tiro a roupa, minha pele não é como a pétala de uma linda flor. As luzes do meu cabelo cheio de frizz estão pela metade, mostrando a faixa de brancos – já que, por causa da gravidez, não há como retocar nada.

Tenho preguiça, enguiço, bafo pela manhã. Não sou bem-humorada todos os dias, não trato sempre bem meu filho/marido/pai/mãe/irmãos/amigos. Às vezes, sou mal-educada. Reclamo demais, todo dia, o dia todo.

Odeio passar roupa, passar maquiagem, passar creme.

Minha casa não é bem decorada, esforço-me para entender o que é organização e subir na carreira fica difícil quando se optou por ficar em casa e não se sabe o que fará da vida mais adiante.

São 9 horas das manhã, estou de pijama e minha casa, de pernas para o ar.

Tudo isso não é um culto aos defeitos. É só um retrato de um ser humano.

Ao folhear uma revista feminina, deparo-me com páginas e páginas mostrando o avesso de tudo isso. Mulheres que conseguem “mudar” suas vidas, casas bem decoradas, roupas e acessórios certos para esta estação, os cremes ideais para minha pele. Não consigo e não sou metade do que vem neste papel. Eu não sou de papel.

Por ser humana e ter um monte de angústias, acabo deixando que tudo o que está sendo anunciado na capa torne-se meus fantasmas. Quando conseguirei cuidar mais de mim? Como transformarei meu guarda-roupa? Preciso cuidar mais (ainda) da minha relação! Nossa, preciso melhorar (ainda mais) com meu filho. Conforme leio as reportagens, os fantasmas pesam sobre mim como se eu fosse somente falhas.

A verdade, entretanto, não é essa. A verdade é que, sim, tenho um monte de conquistas que não são mensuráveis ou ideais para reportagens. Eu, como todas as outras, tenho a minha beleza, as minhas qualidades, os meus acertos. Entretanto, a impressão que se passa é que nunca somos suficientemente boas. Aumentando a insatisfação interna, aumenta-se também a vontade de consumo, que não preenche o vazio interno e só torna tudo isso um grande ciclo difícil de sair.

Ter o ideal como meta é sempre louvável e necessário. Mas enxergar apenas isso e não o que é real pode ser perigosamente doloroso, fazendo com que se perca o verdadeiro, o prazeroso, o essencial.

9 pensamentos sobre “Meus fantasmas na capa de uma revista

  1. Li um texto certa vez sobre como revista feminina deprime!
    Constantemente nos lembrando da vida que não temos…
    Por isso que mulher de revista, assim como os bebes de revista do texto da Glau http://bit.ly/bIduBi , são pra papel. NÓS, temos problemas, imperfeições e qualidades BEM reais.
    O que aprendemos essa semana então? Que não somos de papel? Que não somos perfeitas?
    Eu aprendi que não devo mais comprar revistas femininas ou sobre filhos, prefiro continuar comprando HQs! Vou economizar anos de terapia… ;P

    • “a impressão que se passa é que nunca somos suficientemente boas”

      Exatamente, Sofia. Você escreveu várias coisas que também sinto e hoje devido a algumas questões no trabalho eu voltei exatamente com essa sensação.

      • Excelente texto, parece que fui eu que escrevi (não por ser excelente, mas por ter dito tudo o que penso).
        Somos feitas de culpa. A sociedade insiste em nos fazer sentir culpa, muita culpa. Ou sentimos culpa de ter uma carreira e ficar pouco tempo com os filhos, ou sentimos culpa por dedicar todo nosso tempo aos filhos e não ter uma carreira. E por aí vai. As revistas, as novelas, tudo o que a mídia nos empurra é mais e mais culpa.
        Ou a gente ignora isso tudo, ou fica louca!

        Abraços

  2. Pingback: Tweets that mention Meus fantasmas na capa de uma revista « Buteco Feminino – Mesa para Conversa de Mulher -- Topsy.com

  3. Muito, muito bom! Precisamos estar atentas e fortes para não sucumbir a enxurrada de “mulheres maravilhas” que não fazem parte da vida real.
    Quando está pesado eu canto:
    “… Eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem mim…”
    Parabéns pela reflexão!

  4. Conheci este buteco hoje. Estava na internet procurando pessoas que vivenciam as mesmas alegrias e os mesmos dramas que eu. E como este seu texto é real. Tenho uma coleção de revistas femininas em casa. Sempre compro para me manter “atualizada”, me sentir “moderna”, “antenada” mas não tinha parado para pensar como elas nos deprimem. Não me considero um mulher feia, mas tenho gordurinha localizada, estria, celulite, mal humor ás vezes e mulheres assim não aparecem em revistas. Mulher de verdade, que ri, que sente, que ama, que se magoa, que cai, que levanta somos nós… Acho que preciso parar de comprar estas revistas….

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